Nem alhos nem bugalhos: uma reflexão sobre o regionalismo gaúcho

Por Rodrigo dMart

A discussão sobre regionalismo aqui no sul ainda segue chovendo no molhando. É incrível! Isto pode. Aquilo não pode. Folclore é isto. Gauchismo é aquilo. Pop acolá. Rock mais adiante. É uma perda de tempo, de oportunidade, de espaços e de estimular a criatividade. E esse conservadorismo perpassa toda a sociedade gaúcha. A filosofia do que é “gaúcho é melhor” e “não sai daqui” reflete em todo lugar. Impede avanços e intercâmbios. Impossibilita uma leitura crítica e reflexiva da história. Em certa medida, isso afasta muitas pessoas de curtir o rico manancial da arte e do folclore regionais. Mas atrapalha, é claro, em maior medida a indústria cultural.

Enquanto isso, por exemplo, o povo em Pernambuco já está na quinquagésima geração do movimento Mangue Beat, eclodido nos anos 1990, em Recife, sempre em busca do novo Chico Science, em novas formas de expressão do local no universal. Um exemplo para o Brasil e para o mundo, criado por uma rapaziada inquieta que perambulava na então “quarta pior cidade do mundo para se viver”, escreveu um manifesto – Caranguejos com Cérebro -, arregaçou as mangas, conectou-se com a diversidade e as tendências globais e partiu para a luta. E prosseguiu. Produzindo, criando, articulando. Maracatu, ciranda, coco, tambores, rock, rap, punk, heavy-metal, música eletrônica, cinema, literatura, quadrinhos, teatro, dança, festivais, mídias. Folclore, sincretismos, hibridizações, tecnologia, arte contemporânea, tudo junto. Em sintonia e em realimentação. E todos ganham. E o lance aqui no sul segue tão engessado.

Os Centros Tradicionalistas Gaúchos (CTGs) nasceram, na década de 1950, como uma ação de resistência da cultura regional perante a invasão avassaladora da indústria cultural norte-americana no país (e os Estados Unidos sabem dar valor à produção cultural e a cadeia produtiva do entretenimento, cientes do impacto sociocultural no imaginário da humanidade, utilizando como política estratégica de estado para exportar o american way of life, agregando tecnologias e negócios e, assim, manter-se na liderança mundial). A criação dos CTGs foi um grande esforço de jovens urbanos de classe média de se reconectar com algo que estava se perdendo. Em viagens e pesquisas pelo interior do Estado, esta gurizada resgatou danças, ritmos, costumes. Realizaram uma fotografia de um momento que foi moldada em documentos, manuais, cartilhas e livros. Em certo aspecto, arrisco, poderia se dizer, que foi uma antecipação de futuros movimentos contra uma globalização homogeneizadora. A proliferação dos centros de tradição gerou, em 1966, a criação do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Mas movimento prescinde transformação, não estagnação. Dinamismo. Sem medo de “perder raízes”.

Há algum tempo, sonho com um projeto. Uma parte desta ideia parte do contato com as pesquisas coordenadas pelo cineasta e economista Luiz Carlos Prestes Filho sobre a cadeia produtiva da economia da música e do carnaval, estudos realizados entre 1999 e 2009, no Rio de Janeiro. No trabalho, ele demonstrou que a economia da cultura contribui com 3,8% para o PIB da capital fluminense: “cerca de R$ 5,1 bilhões, em 1999, e aproximadamente, R$ 18 bilhões, em 2010”. Em outra ponta, descobri no livro “Mídia Nativa: indústria cultural e cultural regional”, da pesquisadora Nilda Jacks (1998) que “até o final da década de 1980 existiam mais de mil CTGs no Estado e centenas no exterior”. Então, especulei o seguinte. Imaginemos se, por exemplo, a grande cadeia de CTGs espalhada pelo Brasil e pelo mundo abrisse espaço para promover as diversas formas de arte produzidas no estado – ok, ainda assim, mantendo-se como espaço para promoção dos ideários emetegistas – teríamos um ciclo sem precedentes de expansão da indústria criativa do sul do país, com reflexos econômicos no comércio, no turismo e na indústria de forma geral. Uma utopia talvez.

Isso sem falar ainda que, por uma posição geográfica e proximidade cultural, o Rio Grande do Sul tem amplo potencial para gerar intercâmbios com a América Latina. E ir além de Mercosul, acordos comerciais ou governos, através da arte, da educação, das pessoas.

A questão é que, por algum motivo – a história, a psicologia ou antropologia podem explicar – os gaúchos tem a tendência ao dualismo. Uma visão que se reflete na política, nas artes, na economia, no esporte. Farrapos ou republicanos. Maragatos ou chimangos. Gremistas ou colorados. É isso ou aquilo. E o pessoal não se entende, não consegue colaborar. Reflito que o ponto é justamente não ser “contra ou a favor”. Também não é abrir mão de pontos de vista e de gerar embates e críticas. Exercitar outros matizes.

Sinceramente, penso que uma visão dualista não faz o menor sentido neste início de milênio. Não há motivos para a resistência de navegar na sociedade pós-moderna, interconectada, convergente e multifacetada. Um momento único na história com enormes possibilidades para se criar pontes de cooperação e de diálogo. Tolerar crenças. Aprender com a diferença. Irmanar a literatura regionalista de João Simões Lopes Neto e a aldeia global de Marshall McLuhan. Uma jornada sem limites pelo múltiplo, diverso e transversal. Nada se perde. Tudo se transforma. A cultura é dinâmica.

A cultura não tem só um dono e cultivar não é um grilhão. A erva-mate sou eu que escolho e se chama liberdade de expressão.

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