Para uma breve história do Teatro de Bonecos

NO TEATRO GREGO

Por volta do século 5 a.C., os bonecos aparecem nas farsas mímicas gregas, que tinham uma temática mundana, sem uma necessária evocação aos deuses, nas quais se apresentavam marionetes que imitavam os autores das peças. Nessas montagens, conforme Sussman (2001), a presença de deuses ex-machina resolvia a estória.

A constituição técnica desses personagens aproximava-se de uma estatutária autômata primitiva, com mobilidade baseada no uso de articulações e contrapesos, como indicado pelo matemático Heron de Alexandria.

EM ROMA

Já durante o Império Romano, a interpretação realizada pelas atelanas era originalmente feita de improviso, e nelas se podia distinguir a presença de personagens-tipo, geralmente mascaradas (não maquiadas como acontece na comédia e na tragédia), como o estúpido Maccus, o avarento Baccus, o parasita Dossenus, segundo Amaral (1996, p. 102).

Vale salientar que “atelana” é uma representação teatral romana, farsesca, que tem o nome derivado da cidade de Atella, em cujo teatro os próprios moradores apresentavam-se, usando máscaras para não serem reconhecidos.

NA COMMEDIA DELL’ARTE

Com uma grande ocorrência em toda a Europa dos anos 1600, as trupes itinerantes de marionetistas reinterpretavam narrativas cotidianas através do teatro de bonecos. Na Itália, herdeiro de Maccus e Baccus, surge o mascarado e dúbio Polichinelo, com seus colegas Pierrô, Colombina, Arlequim e vários outros tipos.

De Nápoles e da Sicília, com sua circulação, pode-se pode-se entrever a conexão com o estilo de “homem ordinário”, representado pelo personagem Punch, de origem predominantemente inglesa, de caráter trapalhão, histriônico e agressivo, corcunda e barrigudo, surgido pela necessidade do advento de um herói local, ou até mesmo nacional (BELL, 2005, p. 18). Em 2012, Punch comemorou seus 350 anos de existência. O boneco, relata Amaral (1996, p. 111), estreou no bairro de Convent Garden, em Londres, em 1662, pelas mãos do marionetista Pietro Gimondi.

Assim, cruzando continentes, é possível encontrar correspondência entre as interpretações e releituras do mesmo personagem. Se, na Itália, ele é Pulcinella, transposto dos roteiros da commedia dell’arte, na qual figurava como um dos servos cômicos, é boneco de sombra na Turquia, chamado Karagoz, de inspiração na mímica grega; e também é boneco de papel tornado sombra em Java, na tradição chamada Wayang.

Na Alemanha, é o Kasperl; na Rússia, o Petrushka. Don Cristóbal, na Espanha; Don Folías, no México; Guignol, na França, Dom Roberto, em Portugal. Na Inglaterra, Punch e sua mulher Judy são fantoches. No Brasil, dos primeiros Kasperls chegados no período colonial a adaptação ao cotidiano tipicamente regional faz do mamulengo um patrimônio nacional.

TEATRO MODERNO NORTE-AMERICANO

Com a decadência da Belle Époque europeia, pelas dificuldades da Primeira Guerra Mundial, o domínio da animação do teatro de bonecos é conquistado por manipuladores dos Estados Unidos. A partir de então, a ênfase para a interpretações com teatro de bonecos, comenta Amaral (1996), é colocada nos números de vaudeville e circo.

A destreza técnica das transformações criou novos métodos de performances, “do teatro de objetos ao cinema de panorama, os quais eram um presságio das espetaculares invenções posteriores – especialmente o cinema e a televisão – no século seguinte” (BELL, 2005, pp. 22-25).

SOBRE O VAUDEVILLE

O gênero de teatro de vaudeville foi popular nos Estados Unidos e no Canadá, entre os anos 1890 e 1930. As apresentações eram uma mescla de diversos estilos, e contavam com números teatrais, quadros cômicos, de acrobacias e malabarismo, participações de animais em cena, exibições de pessoas com deficiências físicas, em esquetes conhecidos como freakshows, além de pequenos filmes cinematográficos, tudo isso exibido dentro de salas de espetáculos.

Pode-se reconhecer estruturas semelhantes desde os anos 1700, quando, na França, começaram a surgir atrações músico-teatrais, baseadas na figura dos menestréis, chamadas de comédia em vaudeville. O nome provém, possivelmente, da expressão em francês voix de ville, a voz da cidade ou região.

TEATRO DE FORMAS ANIMADAS

No século 20, o Teatro de Objetos e de Formas Animadas quebram vertentes do antropocentrismo, trazem novas técnicas criam possiblidades e tendências, e as figuras se reinterpretam de acordo com suas atuações.

A UNIMA (União Internacional da Marionete – sigla em francês) destaca a década de 1980 como um marco para esta disrupção, já presente desde movimentos como Surrealismo e Dadaísmo, nas Artes Visuais. Para o Teatro, diz o site da instituição, o objeto tem uso em suas “próprias possibilidades de movimento e suas propriedades físicas, quanto como personagem, metáfora ou símbolo, em uma história”.

TEATRO DE BONECOS NA ÁFRICA

De acordo com as pesquisas da UNIMA, nas sociedades africanas, o uso de bonecos tem fundamentos na ritualização e no simbolismo dos objetos, passando pela ludicidade e pela educação, combinadas com a teatralidade.

A saber, muitos países, como Camarões, Congo, Gana e Togo tem marionetes utilizadas em ritos funerários. Em questões de entretenimento, na Nigéria, por exemplo, o repertório apresenta a colonização, o cotidiano local, a política. Ebikebina Peretu (2012) cita que, nas práticas educativas com teatro de bonecos, para a África Central, criou-se uma oficina de desenvolvimento comunitário.

BONECOS NO ORIENTE

Na tradição oriental milenar, os contos teatrais com sombras aparecem na China, Índia, Indonésia, Turquia, Filipinas e diversos países asiáticos, com influência também na África do Norte, por exemplo. Cada mestre titereteiro representava através das sombras seus ritos, costumes, cultura e religião, utilizando para os bonecos os materiais disponíveis nas localidades, acompanhados de música ao vivo, contando epopeias e mitos de influência budista, hinduísta ou muçulmana.

Para a contemporaneidade, a arte do teatro de sombras tem um repertório de gama ampla, com investigações para novas articulações do boneco e corpo, em som e luz e espetáculos com narrativas sensoriais.  

Ainda no Oriente, o Japão traça uma linha própria na cultura do uso de máscaras e bonecos, originalmente ligados a cultos e cerimônias (cerca de 720 d.C.). No período medieval, apresentações em feiras e praças eram frequentes, pelos mestres chōnin (artesãos). Este é o primórdio do ningyō jōruri, que vai se adaptar aos dias modernos como bunraku, com bonecos de mais de um metro de altura e necessidade de um manipulador e dois assistentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Ana Maria. Teatro de formas animadas: máscaras, bonecos e objetos. São Paulo: EDUSP, 1996.

AMARAL, Ana Maria. Teatro de animação: da teoria à prática. Cotia: Ateliê Editorial, 2007.

BELL, John (org.). Puppets, masks and performing objects. Cambridge: TDR Book, 2001.

BELL, John (org.). Strings, hands and shadows: a modern puppet history. Detroit: Wayne State University, 2005.

PERETU, Ebikebina. África. UNIMA. Disponível em https://wepa.unima.org/es/africa/

SUSSMAN, Mark. Performing the intelligent machine: deception and enchantment in the life of the Automaton Chess Player. In: BELL, John (org.). Puppets, masks and performing objects. Cambridge: TDR Book, 2001.

SITES

Teatro de Bonecos Popular do Nordeste: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/dossie_teatros_bonecos.pdf

União Internacional da Marionete: https://www.unima.org/fr/

SOBRE O PROJETO IMAGENS MARIONETÁVEIS

O projeto IMAGENS MARIONETÁVEIS – O TEATRO DE BONECOS NA TELEVISÃO DO RS é uma realização da artista visual, jornalista e produtora cultural Yara Baungarten e apresenta uma série de postagens para a internet sobre produção de teatro de bonecos para a televisão gaúcha, desde os anos 1970 até hoje. Trata-se de um passeio pela história do teatro de bonecos e da televisão, com os principais grupos e companhias envolvidas, as técnicas de manipulação mais utilizadas nos programas e os formatos televisivos.

Yara Baungarten: artista, jornalista, pesquisadora e produtora cultural

A série de dez publicações digitais pode ser acompanhada, entre 05 a 26 de outubro de 2020, às segundas, quartas e sextas-feiras, através do Instagram e Facebook de Yara Baungarten (@yarabaungarten). A última publicação será um e-book, resultado da compilação de todo o material, também chamado IMAGENS MARIONETÁVEIS – O TEATRO DE BONECOS NA TELEVISÃO DO RS, disponível no site www.imaginaconteudo.com.

Este trabalho conta com o financiamento do Edital FAC DIGITAL RS. Facebook: @RS.sedac, @feevale e @feevaletechpark. Instagram: @sedac_rs, @feevale e @feevaletechpark. Site: www.cultura.rs.gov.br, www.feevale.br e www.feevaletechpark.com.br.

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